A primeira impressão faz um pouco de impressão. A impressão de que não é um Governo forte. Não forte o suficiente para as rabanadas de vento que o aguardam. Mas Portugal não tem uma segunda oportunidade: este Governo vai ter de ser melhor do que parece.
A primeira impressão faz um pouco de impressão. A impressão de que não é um Governo forte. Não forte o suficiente para as rabanadas de vento que o aguardam. Mas Portugal não tem uma segunda oportunidade: este Governo vai ter de ser melhor do que parece.
Portugal está num estado crítico tal que precisa de união e de coesão. E é por isso que o Governo tem de ter o benefício da dúvida, de ter o tempo e o espaço suficiente para mostrar o que vale. Vai tê-lo. Mas isso não esconde essa tal primeira impressão. A de que faltam figuras de Estado. A de falta de experiência. A de falta de um Catroga. Mas também as virtudes: a juventude. A capacidade técnica de muitos dos seus ministros. A da vontade de mudança que eles representam.
Dois exemplos: Assunção Cristas e Álvaro Santos Pereira. Os leitores do Negócios conhecem-nos bem, deram ambos entrevistas de fundo este ano neste jornal e foram enquadrados como esperanças políticas para o nosso País. Ei-las confirmadas. Mas a nova ministra da Agricultura nunca plantou uma batata na terra. E o novo ministro da Economia nunca geriu uma empresa na vida. Quer dizer que são erros de “casting”? Não. Quer dizer que arrancam sem terem a “autoridade natural” do seu lado. E só se tiverem consciência disso poderão impor-se, serem respeitados e fazerem parte da solução que Portugal encomendou a este Governo.
O contra-exemplo: Paulo Macedo. É economista, gestor, administrador de banco, foi director-geral dos Impostos. O novo ministro da Saúde nunca deu uma injecção a um doente e roga-se que nunca o faça, mas não haverá neste momento médico nem director hospitalar em Portugal que não esteja com medo da sua tesoura e bisturi. Porque Paulo Macedo tem do seu lado a autoridade da experiência passada e do seu sucesso reconhecido e aplaudido nas Finanças. Aqui não há qualquer equívoco: vem para cortar nas despesas da Saúde, onde se suspeita de haver uma espécie de “Face Oculta” nas compras de material, e onde há lóbis poderosos numa actividade que também é um negócio e que tem sido pior negócio do que muitos pensavam (basta ver o prejuízo da Caixa Geral de Depósitos nos seus hospitais). Macedo é uma escolha polémica e vai ser contestada mas é uma boa escolha precisamente por isso: o Serviço Nacional de Saúde português é um sucesso, mas é demasiado dispendioso. Paulo Macedo não vai tratar da Saúde, vai racionalizar o Serviço – vai mantê-lo Nacional (isto é, público)?
Outro exemplo: Nuno Crato. Como Paulo Macedo, é uma excelente escolha, mas tem de provar que sabe sair da academia para a política. É um “liberal” na educação, no sentido em que “liberal” significa premiar o mérito e acabar com o “eduquês”, que ele assumidamente abomina (e abomina bem). Aqui também não há dúvidas. Com Nuno Crato, quem chumbar chumba, quem estudar passa, os exames serão difíceis e as estatísticas serão portanto piores – mas os resultados serão talvez melhores. Haverá maior separação entre os bons e os maus alunos, espera-se que também entre os bons e os maus professores. Porque o nivelamento educacional valoriza a mediocridade, desincentiva o brilhantismo e nivela por baixo. Crato só não provou uma coisa: que tem cabedal que chegue para a pressão política brutal que, se fizer o que se espera, terá. Homem pacato, cordato, cordial, vai ter de ser um leão para aguentar.
Bom, demos agora um passo atrás. Politicamente, o Governo está assente num tripé: além de Passos Coelho, Paulo Portas e Miguel Relvas. Eles serão os chefes. Os chefes de uma equipa irrequieta e que promete reuniões de Conselho de Ministros muito agitadas. Várias das promessas políticas dos últimos anos estão lá (Mota Soares, Assunção Cristas). Vários críticos de políticas anteriores estão lá (Álvaro Santos Pereira, Nuno Crato).
Paulo Portas ocupa uma pasta essencial neste momento de intervenção e negociação externa permanente. Ele será uma espécie de primeiro-ministro fora de Portugal, como Luís Amado discretamente o foi durante os últimos muitos meses. Ele estará mais tempo a defender os interesses de Portugal em Bruxelas (e em Berlim e em Frankfurt) do que no Palácio das Necessidades.
Miguel Relvas será o biombo político de Passos Coelho dentro do País. Será o seu braço direito de ataque e o seu braço esquerdo de defesa, para um período que se adivinha de consensos difíceis e poucos duradouros. Porque como houve PEC do 1 até ao 4, também haverá uma espécie de vários MoU (memorandos de entendimento com a troika), que se adaptem às mudanças internas e externas do imprevisível situação económica e política. E isso significa acordos políticos permanentes - como na Grécia. Com provas dadas, Aguiar-Branco e Miguel Macedo farão parte dessa muralha política.
Pedro Mota Soares e Assunção Cristas foram dos melhores deputados da melhor bancada parlamentar da última semi-legislatura, a do CDS-PP. Pedro Mota Soares deixará agora a sua “scooter” para assumir uma área difícil, a da Segurança Social, numa fase de crescimento do desemprego e de corte de prestações sociais. Vai ter um orçamento muito difícil de gerir e tem do outro lado parceiros sociais que entrarão com vontade de lhe comer as papas na cabeça. Vai ter de mostrar que além de capacidade de trabalho, tem estofo político para não ser o peixinho no meio dos tubarões sindicais, em mares agitados de contestação social forte, esfomeada - e de esfomeados.
Paula Teixeira da Cruz é o oposto de Pedro Mota Soares. Com ela ninguém faz farinha mas isso não evita as mós do outro lado. A Justiça é o Rubicão deste Estado, é lá que estão alojados os maiores lóbis (incluindo o dos políticos) e Paula Teixeira da Cruz não tem do seu lado uma ferramenta essencial: a troika. O memorando da troika é fraco no que toca à Justiça, o que torna tudo demasiado vago. E Teixeira da Cruz será acusada de representar uma das cinco profissões jurídicas (a dos advogados, a que pertence) e de preferir outra (a dos magistrados do Ministério Público e do seu sindicato, dada a sua proximidade política a António Cluny). Teixeira da Cruz sabe o que é preciso. Terá o que é preciso?
Regressemos à área económica. Álvaro Santos Pereira é um macroeconomista, não conhece os gestores portugueses nem as nossas empresas. Por isso, hoje, os gestores das grandes empresas estão horripilados com esta escolha. Essa pode ser a vantagem deste viseense: a de partir sem compromissos nem conflitos. Mas é ele que terá pela frente o desafio mais radicalmente difícil: pôr a economia a crescer. Enfrentar os lóbis mais poderosos, que não são as das arruadas, os manifestantes ou os grevistas. São as pressões dos gabinetes. Das grandes empresas. Dos grandes sectores. Incluindo o espinhoso campo das Obras Públicas. E Álvaro Santos Pereira é mais liberal nos livros que qualquer outro ministro da Economia o foi nos últimos anos. Sê-lo-á também fora dos livros?
Deixamos para o fim o mais importante de todos os ministros de Passos Coelho: o das Finanças. Vítor Gaspar. Quem? Vítor Gaspar é um desconhecido dos portugueses e tem contra si a falta de força política. Mais: é um técnico brilhante mas nunca deve ter dado uma ordem nem mandado numa equipa. E isso tem de ser tão natural como a sede deste Governo em proceder a um “choque térmico” nas finanças públicas e a uma recuperação de imagem nos mercados financeiros. O nome que devia ser o mais forte e incontestado é, paradoxalmente, o mais desconhecido de todos. Gaspar sabe que foi uma segunda escolha (Vítor Bento recusou as Finanças; Catroga também recusou depois de ter sido convidado para a Economia e re-convidado para as Finanças). Que seja de primeira água. Que junte ao “saber fazer” a força do não deixar desfazer; de impor; de mandar. Porque Gaspar é desconhecido em Portugal mas reputado na Comissão Europeia e no Banco Central Europeu, o que neste momento é essencial. É um homem muito inteligente - precisará também de inteligência emocional para se impor na política.
O Governo arranca com o benefício de dúvida, que terá de converter em esperança para o País. Tem um grupo de gente boa e outro grupo de gente promissora, que tem de saber que ser timorato não é o mesmo que ser timoneiro. E tem muita gente brilhante no campo académico, onde impera o reino dos argumentos, mas vai ter de se impor no mundo político, onde vale tudo.
O País está em estado de choque. Precisa de um Governo contra o choque. E é por isso que o homem mais importante de toda esta equipa é Pedro Passos Coelho. Não teve toda a equipa que quis. Mas teve a equipa que o quis a ele. Que seja a equipa que todos precisamos.
Como se diz aos aviadores que partem para a batalha: Godspeed, senhores ministros.
por Pedro Santos Guerreiro, aqui.
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