Receita de Bolo e creme de iogurte com romã
Há 4 meses
A primeira impressão faz um pouco de impressão. A impressão de que não é um Governo forte. Não forte o suficiente para as rabanadas de vento que o aguardam. Mas Portugal não tem uma segunda oportunidade: este Governo vai ter de ser melhor do que parece.
A primeira impressão faz um pouco de impressão. A impressão de que não é um Governo forte. Não forte o suficiente para as rabanadas de vento que o aguardam. Mas Portugal não tem uma segunda oportunidade: este Governo vai ter de ser melhor do que parece.
Portugal está num estado crítico tal que precisa de união e de coesão. E é por isso que o Governo tem de ter o benefício da dúvida, de ter o tempo e o espaço suficiente para mostrar o que vale. Vai tê-lo. Mas isso não esconde essa tal primeira impressão. A de que faltam figuras de Estado. A de falta de experiência. A de falta de um Catroga. Mas também as virtudes: a juventude. A capacidade técnica de muitos dos seus ministros. A da vontade de mudança que eles representam.
Dois exemplos: Assunção Cristas e Álvaro Santos Pereira. Os leitores do Negócios conhecem-nos bem, deram ambos entrevistas de fundo este ano neste jornal e foram enquadrados como esperanças políticas para o nosso País. Ei-las confirmadas. Mas a nova ministra da Agricultura nunca plantou uma batata na terra. E o novo ministro da Economia nunca geriu uma empresa na vida. Quer dizer que são erros de “casting”? Não. Quer dizer que arrancam sem terem a “autoridade natural” do seu lado. E só se tiverem consciência disso poderão impor-se, serem respeitados e fazerem parte da solução que Portugal encomendou a este Governo.
O contra-exemplo: Paulo Macedo. É economista, gestor, administrador de banco, foi director-geral dos Impostos. O novo ministro da Saúde nunca deu uma injecção a um doente e roga-se que nunca o faça, mas não haverá neste momento médico nem director hospitalar em Portugal que não esteja com medo da sua tesoura e bisturi. Porque Paulo Macedo tem do seu lado a autoridade da experiência passada e do seu sucesso reconhecido e aplaudido nas Finanças. Aqui não há qualquer equívoco: vem para cortar nas despesas da Saúde, onde se suspeita de haver uma espécie de “Face Oculta” nas compras de material, e onde há lóbis poderosos numa actividade que também é um negócio e que tem sido pior negócio do que muitos pensavam (basta ver o prejuízo da Caixa Geral de Depósitos nos seus hospitais). Macedo é uma escolha polémica e vai ser contestada mas é uma boa escolha precisamente por isso: o Serviço Nacional de Saúde português é um sucesso, mas é demasiado dispendioso. Paulo Macedo não vai tratar da Saúde, vai racionalizar o Serviço – vai mantê-lo Nacional (isto é, público)?
Outro exemplo: Nuno Crato. Como Paulo Macedo, é uma excelente escolha, mas tem de provar que sabe sair da academia para a política. É um “liberal” na educação, no sentido em que “liberal” significa premiar o mérito e acabar com o “eduquês”, que ele assumidamente abomina (e abomina bem). Aqui também não há dúvidas. Com Nuno Crato, quem chumbar chumba, quem estudar passa, os exames serão difíceis e as estatísticas serão portanto piores – mas os resultados serão talvez melhores. Haverá maior separação entre os bons e os maus alunos, espera-se que também entre os bons e os maus professores. Porque o nivelamento educacional valoriza a mediocridade, desincentiva o brilhantismo e nivela por baixo. Crato só não provou uma coisa: que tem cabedal que chegue para a pressão política brutal que, se fizer o que se espera, terá. Homem pacato, cordato, cordial, vai ter de ser um leão para aguentar.
Bom, demos agora um passo atrás. Politicamente, o Governo está assente num tripé: além de Passos Coelho, Paulo Portas e Miguel Relvas. Eles serão os chefes. Os chefes de uma equipa irrequieta e que promete reuniões de Conselho de Ministros muito agitadas. Várias das promessas políticas dos últimos anos estão lá (Mota Soares, Assunção Cristas). Vários críticos de políticas anteriores estão lá (Álvaro Santos Pereira, Nuno Crato).
Paulo Portas ocupa uma pasta essencial neste momento de intervenção e negociação externa permanente. Ele será uma espécie de primeiro-ministro fora de Portugal, como Luís Amado discretamente o foi durante os últimos muitos meses. Ele estará mais tempo a defender os interesses de Portugal em Bruxelas (e em Berlim e em Frankfurt) do que no Palácio das Necessidades.
Miguel Relvas será o biombo político de Passos Coelho dentro do País. Será o seu braço direito de ataque e o seu braço esquerdo de defesa, para um período que se adivinha de consensos difíceis e poucos duradouros. Porque como houve PEC do 1 até ao 4, também haverá uma espécie de vários MoU (memorandos de entendimento com a troika), que se adaptem às mudanças internas e externas do imprevisível situação económica e política. E isso significa acordos políticos permanentes - como na Grécia. Com provas dadas, Aguiar-Branco e Miguel Macedo farão parte dessa muralha política.
Pedro Mota Soares e Assunção Cristas foram dos melhores deputados da melhor bancada parlamentar da última semi-legislatura, a do CDS-PP. Pedro Mota Soares deixará agora a sua “scooter” para assumir uma área difícil, a da Segurança Social, numa fase de crescimento do desemprego e de corte de prestações sociais. Vai ter um orçamento muito difícil de gerir e tem do outro lado parceiros sociais que entrarão com vontade de lhe comer as papas na cabeça. Vai ter de mostrar que além de capacidade de trabalho, tem estofo político para não ser o peixinho no meio dos tubarões sindicais, em mares agitados de contestação social forte, esfomeada - e de esfomeados.
Paula Teixeira da Cruz é o oposto de Pedro Mota Soares. Com ela ninguém faz farinha mas isso não evita as mós do outro lado. A Justiça é o Rubicão deste Estado, é lá que estão alojados os maiores lóbis (incluindo o dos políticos) e Paula Teixeira da Cruz não tem do seu lado uma ferramenta essencial: a troika. O memorando da troika é fraco no que toca à Justiça, o que torna tudo demasiado vago. E Teixeira da Cruz será acusada de representar uma das cinco profissões jurídicas (a dos advogados, a que pertence) e de preferir outra (a dos magistrados do Ministério Público e do seu sindicato, dada a sua proximidade política a António Cluny). Teixeira da Cruz sabe o que é preciso. Terá o que é preciso?
Regressemos à área económica. Álvaro Santos Pereira é um macroeconomista, não conhece os gestores portugueses nem as nossas empresas. Por isso, hoje, os gestores das grandes empresas estão horripilados com esta escolha. Essa pode ser a vantagem deste viseense: a de partir sem compromissos nem conflitos. Mas é ele que terá pela frente o desafio mais radicalmente difícil: pôr a economia a crescer. Enfrentar os lóbis mais poderosos, que não são as das arruadas, os manifestantes ou os grevistas. São as pressões dos gabinetes. Das grandes empresas. Dos grandes sectores. Incluindo o espinhoso campo das Obras Públicas. E Álvaro Santos Pereira é mais liberal nos livros que qualquer outro ministro da Economia o foi nos últimos anos. Sê-lo-á também fora dos livros?
Deixamos para o fim o mais importante de todos os ministros de Passos Coelho: o das Finanças. Vítor Gaspar. Quem? Vítor Gaspar é um desconhecido dos portugueses e tem contra si a falta de força política. Mais: é um técnico brilhante mas nunca deve ter dado uma ordem nem mandado numa equipa. E isso tem de ser tão natural como a sede deste Governo em proceder a um “choque térmico” nas finanças públicas e a uma recuperação de imagem nos mercados financeiros. O nome que devia ser o mais forte e incontestado é, paradoxalmente, o mais desconhecido de todos. Gaspar sabe que foi uma segunda escolha (Vítor Bento recusou as Finanças; Catroga também recusou depois de ter sido convidado para a Economia e re-convidado para as Finanças). Que seja de primeira água. Que junte ao “saber fazer” a força do não deixar desfazer; de impor; de mandar. Porque Gaspar é desconhecido em Portugal mas reputado na Comissão Europeia e no Banco Central Europeu, o que neste momento é essencial. É um homem muito inteligente - precisará também de inteligência emocional para se impor na política.
O Governo arranca com o benefício de dúvida, que terá de converter em esperança para o País. Tem um grupo de gente boa e outro grupo de gente promissora, que tem de saber que ser timorato não é o mesmo que ser timoneiro. E tem muita gente brilhante no campo académico, onde impera o reino dos argumentos, mas vai ter de se impor no mundo político, onde vale tudo.
O País está em estado de choque. Precisa de um Governo contra o choque. E é por isso que o homem mais importante de toda esta equipa é Pedro Passos Coelho. Não teve toda a equipa que quis. Mas teve a equipa que o quis a ele. Que seja a equipa que todos precisamos.
Como se diz aos aviadores que partem para a batalha: Godspeed, senhores ministros.
abracei o corpo da minha mulher, segurei-lhe a mão, a sua cabeça no meu ombro, criei um pequeno embalo, como para adormecê-la, ou como se faz a quem chora e queremos confortar. vai ficar tudo bem, vai correr tudo bem. o que era impossível, e o impossível não melhora, não se corrige. estávamos encostados à parede, sobre o cortinado, como fazíamos na juventude para os beijos e para as partilhas tolas de enamorados. estávamos escondidos de todos, eu e a minha mulher morta que não me diria mais nada, por mais insistente que fosse o meu desespero, a minha necessidade de respirar através dos seus olhos, a minha necessidade vital de respirar através do seu sorriso. eu e a minha mulher morta que se demitia de continuar a justificar-me a vida e que, abraçando-me como podia, entregava-me tudo de uma só vez. e eu, incrível, deixava tudo de uma só vez ao cuidado nenhum do medo e recomeçava a gritar.
com a morte, também o amor devia acabar. acto contínuo, o nosso coração devia esvaziar-se de qualquer sentimento que até ali nutrira pela pessoa que deixou de existir. pensamos, existe ainda está dentro de nós, ilusão que criamos para que se torne todavia mais humilhante a perda e para que nos abata de uma vez por todas com piedade. e não é compreensível que assim aconteça. com a morte, tudo o que respeita a quem morreu devia ser erradicado, para que aos vivos o dardo não se torne desumano. esse é o limite, a desumanidade de se perder quem não se pode perder. foi como se me dissessem, senhor silva, vamos levar-lhe os braços e as pernas, vamos levar-lhe os olhos e perderá a voz, talvez lhe deixemos os pulmões, mas teremos de levar o coração, e lamentamos muito, mas não lhe será permitida qualquer felicidade de agora em diante.
Aqui há uns anos escrevi uma coisa que muita gente considerou quase ofensiva: disse eu que José Sócrates era o melhor político português e que tinha conseguido, no primeiro mandato, fazer um trabalho decente tendo em conta a grave crise internacional em que a Europa - e Portugal - estava mergulhada.
Hoje, mantenho quase tudo. Continuo a achar que Sócrates é o mais profissional de todos os políticos, mas, agora, não acho que o primeiro mandato tenha sido assim tão bom. E por uma razão simples: os números que eram dados como verdadeiros na altura, afinal, foram rectificados, e o que pareciam ser contas do défice razoáveis foram, afinal, más. O problema maior foram mesmo as eleições de 2009. Para as ganhar, Sócrates inventou um cenário de retoma, que não existia, aumentou funcionários públicos, desdramatizou o que só tinha de ser dramatizado, e diabolizou Ferreira Leite, que deu a entender ser pior que Satanás, uma encarnação do mal que vinha aí para nos sugar até aos ossos, para nos levar o pouco que ainda conseguimos ter.
Bom, mas isso já lá vai. Até o Sócrates já lá vai. E vem aí Passos Coelho.O homem ainda nem tomou posse e parece que já corre por aí um mail a atacar o currículo do senhor, e a dizer que nunca fez nada na vida, e que acabou o curso quase aos 40 anos e mais não sei o quê (só vi isto por alto, porque agora ando mais ocupado a passear).
Sinceramente, acho que é nesta pequenez mental que esbarra o nosso crescimento enquanto povo. Gostamos sempre de esmiufrar o outro, de procurar o ponto fraco, de descobrir onde bater, encontrar o podre. E não estou obviamente a meter a imprensa neste saco - é esse, também, o papel do jornalista, procurar o que está errado, desconfiar das normalidades, procurar a fraude e denunciá-la. Agora, estou é a falar das pessoas que passam este mail de amigo em amigo, acrescentando mais um comentário malicioso, mais uma boca a apontar um defeito.Em lugar de nos preocuparmos, primeiro, com a nossa própria produtividade, com a necessidade de sermos melhores, mais cultos, mais competentes, mais eficientes, não, procuramos é mostrar que o outro - seja o primeiro ministro seja o gajo da cadeira ao lado, seja o chefe da contabilidade ("Ah, sabias que o Zé Francisco da Contabilidade é sobrinho da Maria José que é vereadora da câmara? Está explicado como é que ele chegou lá") - é muito pior, e tem defeitos, e não tem méritos.
Não sei se o Passos Coelho nunca trabalhou. Não posso dizer que não o conheço de lado nenhum, porque conheço. Não posso dizer que nunca falei com ele na vida, porque já falei, várias vezes. Não posso dizer que sou completamente desinteressado no que escrevo, porque sei que ele é um homem honesto e capaz, e sei-o pelo que disse antes, porque o conheço, porque já falei com ele várias vezes, porque sou amigo de algumas pessoas que o ajudaram a chegar onde chegou.
Acho que toda a gente merece uma oportunidade. Foi por isso que fiquei contente com a vitória do PSD nestas eleições. Eu já votei PS, já votei PSD, já votei Bloco, já votei CDU. Desta vez não votei. Não votei porque não estava em Portugal no domingo das eleições. Mas acho que chegou a hora de Passos Coelho mostrar o que vale. E nós temos a obrigação de, antes de atirar pedras, ajudar, dar o nosso contributo para que o País saia de onde os anteriores governos o deixaram. E ainda antes de dizermos "este vai ser igual!", "são todos uns bandidos" ou "já dei para esse peditório" vamos tentar mais uma vez. Até porque só temos duas hipóteses: ou puxamos para um lado, ou puxamos para o outro; ou fazemos parte da solução, ou fazemos parte do problema.
E acho que a solução devemos ser nós, e não esperar que sejam os outros a procurá-la.
Anteontem voltei a estar em frente à frase que Kennedy um dia disse: "Don't ask what your country can do for you, ask what you can do for your country". Nunca foi tão actual.